Adulto
Adoção de Cachorro: o amor supera qualquer barreira?
Adoção de cachorro é um ato motivado por um amor realmente incondicional e também por uma grande força de vontade. Entretanto, deve-se ter sempre uma pitada de racionalidade. Isso porque existem vários fatores a serem considerados nesse processo, e, talvez, você possa não estar preparado para essa grande mudança na sua vida.
Adoção de cachorro – o que as pessoas consideram?
Ao adotar um cachorro, você deve considerar que ele é um ser com muitas necessidades, que vão modificar toda a sua vida e rotina. Entretanto, as expectativas das pessoas quando adotam é atender a anseios particulares que, muitas vezes, pouco tem relação com o cão.
Esse quadro foi demonstrado num estudo conduzido com candidatos à adoção na Austrália, em que 89% dos participantes esperavam aumentar suas caminhadas e seus níveis de felicidade, 74% esperavam ter seu estresse reduzido e 61% esperavam por companhia e redução da solidão. Por outro lado os únicos DESAFIOS relatados foram a necessidade de treino (62%) e o aumento da responsabilidade (64%).
Nesse sentido, observa-se que a motivação das pessoas para efetivar a adoção de cachorro tem uma correlação direta com sua tolerância a problemas comportamentais. A pior parte dessa constatação é que as pessoas que adquirem cães para exibir seu status e prestígio são mais intolerantes com relação aos potenciais desvios dos animais adotados.
Outra grande motivação para a adoção é a beleza do animal, o que aumenta a possibilidade de não adaptação ao novo mascote, pois se desconsidera totalmente seus aspectos comportamentais.
Por fim, outro estímulo para se ter um novo membro na família é trazer companhia a um outro pet, pois os tutores passam cada vez menos tempo em casa e acreditam que uma companhia para o seu cãozinho atual vai aumentar o bem estar do seu bichinho.
Se este é o seu caso, reflita que seu cão precisa mais da sua atenção de que de um “amiguinho”, que vai competir por recursos como brinquedos, espaço e tempo da sua companhia.
Adoção de cachorro – o que deveria importar?
1. Custo
Primeiramente, você precisa considerar que os custos de manutenção de um cão são elevados e deveriam incluir pelo menos alimentação de boa qualidade , vacinação, anti pulgas, vermifugação, consultas periódicas ao veterinário, banho e tosa.
Esses itens básicos foram analisados pelo Instituto Pet Brasil, que concluiu que o dispêndio médio é de R$ 338,76 por mês com uma alimentação por ração de nível mediano.
Cães pequenos, até 10 kg, geram um gasto mensal de R$ 266,18. Os médios (de 11 kg a 25 kg), R$ 327,51. Já cães grandes, de 26 kg a 45 kg, geram um gasto mensal médio de R$ 422,59.
Se levarmos em conta que 23,9% das famílias brasileiras vive com R$ 1.245 mensais, esse impacto orçamentário pode ser significativo.
Ainda com relação aos gastos, pense que seu animal precisa ser sadio mental e fisicamente, o que implicará em gastos com enriquecimento ambiental e com especialistas em comportamento, especialmente quando se trata de bichinhos adotados.
Vou falar sobre o assunto mais adiante em “O lado que não te contam da adoção de cachorro”.
Nesse sentido, tenha em mente, também, que seu animal eventualmente vai ficar doente e que isso vai ter custos. Um levantamento feito em Belgrado revelou que a principal causa de abandono de animais na cidade era financeira.
2. Planejamento:
A segunda causa de abandono dos cães foi a falta de tempo para o cãozinho, seguida das condições inadequadas da casa, da mudança de estilo de vida, da presença de um novo membro na família, de uma doença do tutor e da incapacidade para passear. Perceba que a maior parte dessas causas se evita com planejamento.
3. Conhecer as responsabilidades envolvidas:
Da mesma forma, ao adotar você assume responsabilidades legais que estão descritas na Lei de Crimes Ambientais, e, em caso do poder público considerar que houve abuso, maus-tratos, ferimento ou mutilação de animais, a penalidade é de detenção, de três meses a um ano, e multa.
Além disso, novos projetos de lei estão “descoisificando” os animais, que deixam de ser meros objetos legais e são reconhecidos como sujeitos de direitos despersonificados.
Então, ao pensar em adoção de cachorro as respostas a algumas perguntas devem estar bem claras em sua mente:
- Eu terei dinheiro para sustentar este membro da família?
- Eu terei tempo para ele?
- Meu lar tem condições (espaço e um ambiente adequado) para receber o cão que desejo?
- Quero adotar um cachorro de porte pequeno ou de porte grande?
- Caso eu precise mudar de endereço ou local o animal será um problema para eu tomar a minha decisão?
- Vou ter tempo, paciência e recursos para educar e adaptar o animal ao novo ambiente?
- Todos os membros da minha família estão de acordo com esta decisão?
- Quando eu precisar me ausentar ou viajar, eu tenho com quem deixar meu cãozinho ou posso pagar uma família ou hotel?
Para adotar com segurança, você deve antes saber como resolver todos os “NÃO” que por ventura você tenha respondido. : =)
Finalmente, o lado que não te contam da adoção de cães.
Ter um animal deveria ser um ato de amor incondicional, ainda mais quando falamos de adoção. Em que pese a boa vontade e doação da maioria dos profissionais e voluntários das instituições, as condições da maioria dos abrigos, ONG de e Centros de Controle de Zoonoses brasileiros são muito ruins.
Esse é o ambiente ideal para o surgimento de transtornos comportamentais, o que dificulta bastante a vida do futuro tutor.
Os problemas comportamentais estão quase sempre liderando as principais causas para devolução e para o abandono de animais em abrigos.
O que dizem as pesquisas sobre adoção?
Por exemplo, adotantes que responderam a um questionário após acolherem um cão na Irlanda do Norte disseram que 68.3% dos cães apresentavam problemas de comportamento, sendo o mais comum o medo.
Entre os que devolveram os animais para o abrigo, 89.7% o fizeram por causa de hábitos não toleráveis apresentados pelos cães.
De acordo com a pesquisa, os machos mostraram mais comportamentos inaceitáveis do que fêmeas, especificamente agressão entre animais, transtornos sexuais e tendências a fuga.
Por sua vez, os cães de rua mostraram mais maus comportamentos de tendência a fugas do que aqueles que ficam em abrigo, deixados pelos seus antigos tutores.
Abrigos mais atualizados às boas práticas adotivas castram qualquer animal que seja doado, o que é muito importante para o controle populacional. Porém, ao contrário do que a maioria das pessoas pensam, a castração pode potencializar transtornos comportamentais e outras patologias.
Dentre os desvios relacionados à castração, estão: o aumento da vocalização, o aumento do apetite, o aumento da coprofagia e da auto lambedura!
Além dos problemas comportamentais, os abrigos sofrem com a falta de recursos e de conhecimento dos responsáveis. Esses aspectos facilitam a disseminação de vários problemas de saúde.
Uma reportagem da Revista Clínica Veterinária relata que “são poucos os locais que aplicam o conhecimento da medicina de abrigos e cujos gestores têm consciência de que as necessidades dos animais vão além da alimentação e de um local para dormir”.
O que fazer para ter sucesso na adoção do meu cão?
Por isso, quem está pleiteando uma adoção de cachorrinho e quer ter sucesso tem que considerar os eventuais gastos com especialistas em comportamento, bem como buscar aprender mais sobre como educar um cão e sobre o comportamento normal da espécie.
Isso porque existem atitudes que são normais em cães e podem ser potencializadas em locais com muitos indivíduos, como a já citada coprofagia.
Portanto, quem deseja ter sucesso na adoção de cachorro tem que considerar a busca pelo aprendizado de como educar um cão e sobre o comportamento normal da espécie.
Assim, após se decidir a adotar um cachorro, esteja preparado para os gastos extras. Lembre-se que animais de abrigos, em geral, ficam muito sofridos e traumatizados.
Nesse contexto, o seu amor pode não ser a única ferramenta para enfrentar os desafios que podem aparecer, como a agressividade e o medo.
Após todas essas considerações sobre adoção de cachorros filhotes ou adultos, é necessário voltar ao início do texto e reforçar que adotar é um ato de amor. Se, considerando tudo que falamos, você ainda se sentir inclinado a adotar um cãozinho, vá em frente, pois terá todo o nosso apoio.
Entretanto, as questões levantadas anteriormente que dizem respeito ao seu perfil não podem ser ignoradas, sob pena de sofrimento para você, sua família e para o animal. Esse mesmo processo de autoanálise é válido se você optar por comprar um animal de raça.
VEJA TAMBÉM:
ADESTRAMENTO: será que é isso que seu animal precisa?
COPROFAGIA: uma visão médico comportamental sobre a questão.
Médico Veterinário graduado pela Universidade de Brasília (UnB).
Mestre em Patologia Animal pela Universidade Estadual Paulista (UNESP).
Atua como Médico Veterinário na área de Bem-Estar Animal (desde 2013) e na área de Medicina Veterinária Comportamental (desde 2016).
Atualmente também trabalha como Analista em Ciência e Tecnologia do MCTIC na área da Saúde.
Site: Dr. Fabiano Borba Guimarães
Instagram: @dogmywork
E-mail: fabiano@dogatwork.com.br
Referências Bibliográficas:
Wells, D. L., Hepper, P.G.. Prevalence of behaviour problems reported by owners of dogs purchased from an animal rescue shelter. Applied Animal Behaviour Science. 2000. (acesso em 01/07/2020)
Revista Clínica Veterinária. Medicina de abrigos – desafios e avanços no Brasil. 2020. (acesso em 01/07/2020)
Juristas. Projeto de Lei aprovado pelo Senado estabelece que animal não é “coisa”. 2019 (acesso em 30/06/2020)
Crowell-Davis, S. L.. Motivation for Pet Ownership and Its Relevance to Behavior Problems. Understanding Behavior. 2008. (acesso em 29/06/2020)
Marijana, V.. Reasons for relinquishment of owned dogs in a municipal shelter in Belgrade. Acta Veterinaria (Beograd). 2008 (acesso em 29/06/2020)